VIBES: INFODEMIA

Andre Alves
3 min readMay 26, 2020

--

não é consumir conteúdo; é se sentir contaminado por informação o tempo todo.

REUTERS/Dinuka Liyanawatte

infodemia, uma epidemia de informações falsas.⁣ na infodemia, compartilhamos a ilusão de que a informação nos torna imunes.⁣

em fevereiro de 2020, a OMS alertou sobre a “infodemia maciça” que rodeava o COVID-19: uma superabundância de informações nem sempre corretas ou verdadeiras. esse movimento é mais do que um efeito colateral da pandemia; a infodemia é um dos pilares centrais da sociedade da informação em que vivemos.⁣

você abre o whatsapp e, antes de entender do que realmente se trata a notícia, o vídeo ou o meme, você já reage e se sente comovido, irritado ou ansioso; e, claro, compartilha o seu afeto com os outros. a informação chega em nós com tanta velocidade que rompe as barreiras de defesa do nosso senso crítico.⁣

de acordo com um estudo do Pew Research Center, cerca de metade (!) dos norte-americanos (48%) afirmam ter encontrado ao menos algumas notícias completamente mentirosas sobre a pandemia. o mesmo estudo aponta que 3 em cada 10 norte-americanos acreditam que o novo coronavírus foi criado em um laboratório.

infodemia é o sintoma de uma cultura em que não apenas consumimos conteúdo, mas sim nos sentimos contaminados por informações o tempo todo.

Haidar Hamdani / AFP / Getty

as redes sociais nos prometeram uma sociedade em que todos teriam acesso à informação. o que ninguém nos contou é que, para escravizar a nossa atenção, a desinformação seria imprescindível. o historiador James Gleick escreveu que “quando a informação é barata, a atenção torna-se cara”. não prevíamos que o preço seria a verdade.⁣

como mostra o mini-doc da Nature, na pandemia as fake news se espalham mais que o coronavírus, por exemplo as imagens de corvos no centro de Wuhan falsamente atribuídas à atração por corpos nas ruas.

do ponto de vista da linguagem, a COVID-19 resgata o significado negativo do termo “viralizar” e também nos confronta com uma realidade da qual não conseguimos mais fugir através das telas.

“na época pós-fática das fake news e dos deepfakes, surge uma apatia à realidade. dessa forma, aqui é um vírus real e não um vírus de computador que causa uma comoção. a realidade volta a se fazer notar no formato de um vírus inimigo.”⁣
⁣— Byung-Chul Han

em um mundo pós-verdade, a realidade torna-se um conceito relativo.

mesmo frente aos acontecimentos, é possível entrar em negação. dados e hashtags são fabricadas para minimizar ou potencializar o ângulo de uma notícia. sim, a negação pode trazer conforto, mas também pode ser uma arma de destruição em massa. ou as duas coisas ao mesmo tempo.

Jorge Guerrero/Agence France-Presse — Getty Images

em infodemia, o cotidiano se tornou uma guerra de assimetria de informação: quem sabe mais? quem “sabe melhor”? quem não sabe nada? quem deveria decidir o melhor para a humanidade?⁣

em uma sociedade na qual a confiança está abalada, a reflexão parece o único paliativo. resistir à infodemia é lembrar-se constantemente que um fragmento de informação não te faz saber tudo, apenas mais um pouco.⁣

por trás de qualquer post, pode haver a intenção de infectá-lo no lugar de informá-lo. ao receber uma informação fake, talvez seja melhor contra-argumentar os dados para não acabar em uma armadilha no lugar de um debate. afinal, quando se discute uma mentira, você está apenas tornando a mentira mais contagiosa.⁣

como escreveu Susan Sontag em “A Doença Como Metáfora”, “o apocalipse agora virou uma novela: não é o ‘apocalipse agora’, mas o ‘apocalipse de agora em diante’. o apocalipse passou a ser um evento que está e não está acontecendo.”

--

--

Andre Alves

escritor, psicanalista, consultor e pesquisador na @floatvibes, hub de cultura, comportamento e estratégia. e apaixonado por chás @realmrtea.